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Abismo: entre sopa de ossos e bife de ouro


O cardápio dos brasileiros anda muito diversificado, seja no Brasil, seja no exterior. Conhecidos por gostar de arroz, feijão, uma boa farofa, churrasco, pizza, há também os vegetarianos e os veganos. A última moda é fazer jejum intermitente, evitar sal, açúcar e leite, que se tornaram os vilões dos regimes. Alguns alimentos, que eram evitados, passaram a ser readmitidos e até exaltados, como é o caso do ovo de galinhas.


Nota-se uma grande diversidade na mesa dos brasileiros. Não somente pela riqueza de nossa terra, “em que plantando, tudo dá”, mas pela fartura de uns e carências de outros. Há uma enorme dissonância entre ricos e pobres. Enquanto muitos não encontram o que comer, outros se fartam sem escrúpulos. Há geladeiras vazias, casas sem geladeiras, cozinhas sem fogão, barrigas sem comida. O lixo se tornou inevitável para muitas famílias, que já não têm como ir às feiras e mercados…


A insegurança alimentar tem se agravado no Brasil, e a fome está ainda mais presente na vida dos brasileiros. Segundo dados do novo Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar, apenas 4 entre 10 famílias conseguem acesso pleno à alimentação no país. A fome já atinge 33,1 milhões de pessoas, praticamente a população total do Peru. Falta emprego de qualidade, políticas públicas de inclusão e assistência eficiente. Sobra corrupção, interesses pessoais e oligárquicos…


Duas notícias têm causado estarrecimento e indignação nas consciências mais apuradas. A primeira é retratada pela seguinte manchete: “Moradores pegam ossos de boi descartados em açougues para alimentar filhos” (UOL, 16/07/21): “Mara Siqueira, 35, costuma acordar por volta de 5h30 e começa uma peregrinação em busca de doações para alimentar os sete filhos. Três vezes na semana, ela é uma das dezenas de pessoas que se enfileiram em frente a um açougue (…), na periferia de Cuiabá, para conseguir levar para casa pedaços de ossos doados pelo estabelecimento. Trata-se dos restos do processo de desossa do boi. Nesses pequenos pedaços, ficam resquícios de carne, que se tornam prato principal na casa”.


Nessa mesma linha, um ano depois, sai nova publicação: “Sem carne, famílias disputam osso e pele de frango doados por ONG em Maceió” (UOL, 10/07/22). Glaydiane Ferreira, 35, uma das beneficiadas pelo programa, mora com o marido e mais três filhos e não se lembra de quando conseguiu comprar carne para cozinhar para a família. “Ela conta que usa a ossada para dar corpo à sopa ou ao feijão do dia a dia. Já a pele serve de proteína para alimentação”.


A outra notícia nos vem do outro lado do mundo e do abismo, vem lá do Qatar: “Bife de ouro: dono do restaurante mostra conta de quase R$ 1 milhão…” (UOL, 06/12/22). Isso por uma noite de comemorações… Um comentarista assim postou: “Isso é uma prova de que estamos vivendo em um mundo cheio de injustiça, tem gente que mal consegue encontrar comida para comer”. Como se referiu Milly Lacombe, “o problema não é ir comer carne com ouro; o problema é esse lugar existir” (UOL, 05/12/22). Pior do que esse lugar existir, foi a reação de um dos jogadores que foram ao restaurante: “Na folga, posso fazer o que bem entender” (UOL, 07/12/22).


O abismo entre o rico opulento e o pobre Lázaro continua sendo encenado em cada realidade do país. É o Evangelho segundo Lucas que conta a parábola (cf. Lc 16,19-31). Um homem rico, sem nome, vestia-se de púrpura e linho fino, se banqueteava com requinte. O pobre, que tem nome – chama-se Lázaro –, jazia à porta do rico, coberto de úlceras, desejava saciar-se do que caía da mesa do rico…


O abismo retratado na parábola é uma metáfora da condição do mundo e do Brasil. Há o mundo da opulência e o mundo da fome, como há o Brasil da opulência e o Brasil da fome. O desfecho da parábola desvenda quem é o preferido de Deus. Sim, meus amigos e amigas, pasmem! Deus tem um lado nesse abismo. Ele não está acima de todos! Está do lado do pobre, do faminto, do injustiçado, do desgraçado, do descartado do mercado, que jaz com suas moléstias na beira das calçadas. E nós, de que lado estamos?

Padre Geraldo Maia


Fonte: Jornal Metropolitano / Mês de Dezembro

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